quinta-feira, 23 de junho de 2011

Que puxa!

A inspiração para escrever esse post surgiu de duas coisas, a primeira é a observação do número crescente de crianças com preocupações de adultos no consultório e a segunda é a paixão de uma pessoa, muito especial para mim, pelo Peanuts.
Cada vez mais cedo as crianças possuem aparência de adultos e preocupações de adultos. Esses mini-adultos remetem-me aos personagens das tirinhas e desenho animado do Peanuts, como o Charlie Brown por exemplo, que representa o estereótipo do perdedor crônico, eterno fracassado, procurando a auto-afirmação em toda parte, sem conseguir atingir o sucesso.
Para pensar um pouco sobre as preocupações apresentadas pelas crianças o canal Nickelodeon divulgou uma pesquisa realizada com 2,8 mil crianças de 8 a 15 anos de 14 países. E o resultado pode ser considerado alarmante. As crianças brasileiras são as mais estressadas por se preocuparem mais com sua segurança e com o terrorismo do que as outras crianças entrevistadas. O estudo "Well Being - O Equilíbrio Emocional da Criança"  foi realizado durante seis meses e as crianças entrevistadas estão nas classes A, B e C, não necessariamente usuárias de TV por assinatura.
Os principais assuntos levantados foram o sentimento de segurança e o medo, que interferem na construção do comportamento dessas crianças, como é a sua relação com amigos, família e cultura, quais as expectativas de futuro e de oportunidade e, também, como estas crianças são expostas e absorvem tudo isso.
As crianças brasileiras lideraram quesitos importantes e preocupantes. Quando questionadas sobre o que as preocupa mais, 96% disseram que é conseguir um bom emprego. Elas também são as mais preocupadas com sua segurança e o índice aponta 75%.
Das crianças brasileiras entrevistadas 87% têm medo de terrorismo, sendo que nos EUA esse índice alcança apenas 57% dos entrevistados. Nossas crianças também lideram o ranking no quesito "me preocupa fazer meus pais felizes", com 95%. A morte dos pais com 98%, destaca-se como o maior medo das crianças brasileiras.
Segundo Beatriz Mello, responsável pelo departamento de Pesquisas da empresa no Brasil.

"As crianças são constantemente estimuladas por informações vindas de todas as partes e isso tem consequências profundas em suas vidas. Entender quais são os impactos da sociedade globalizada e de que maneira ela interfere na vida da criança de hoje foi o foco da pesquisa Well Being - O Equilíbrio Emocional da Criança."

 E como fazer a ponte para os personagens do Peanuts? Como já foi dito, o Charlie Brown possui uma característica cômico-depressiva e uma admirável perseverança mesmo aos 4 anos de idade. Vive se lamentando da vida, uma vez que não se dá bem em aparentemente nada do que faz, mas às vezes se mostra bastante convencido de sua suposta inteligência.  Seria o Charlie Bronw criado em 1950 o retrato das nossas crianças da geração Z e da nova geração Alfa?
Nenhum dos personagens do Peanuts tem poderes especiais, conquistando, assim, a simpatia do público por serem crianças comuns, mas com estereótipos de adultos, com quem é fácil de se identificar.

"As crianças de Schulz não são instrumento para contrabandear os nossos problemas de adultos; esses problemas são nelas vividos segundo os modos de uma psicologia infantil, e justamente por isso nos parecem tocantes e sem esperança, como se de repente reconhecêssemos que os nossos males poluíram tudo, na raiz."

"...os Peanuts fascinam com igual intensidade os grandes mais sofisticados e as crianças, como se cada um aí encontrasse algo para si, e é sempre a mesma coisa, fruível em duas chaves diversas".

Além do Charlie Brown temos na trama a Lucy, uma garota prática e racional, que beira a arrogância e tem grande poder persuasivo. O Schroeder que seria o intelectual da turma, tem por ídolo Beethoven, criando pelo músico uma adoração tamanha que o faz abstrair o mundo a sua volta, passando a maior parte do tempo tocando seu piano. Umberto Eco afirma sobre o Schroeder, “afundado em sua total admiração por Beethoven, salva-se das neuroses cotidianas, sublimando-as numa alta forma de loucura artística”. Além do Linus, garoto inseguro, que se apega a um cobertor e jamais se separa dele. Temos ainda a Patty Pimentinha uma má aluna, costuma dormir nas aulas e só tira D-, mas nunca perde o bom humor. Mantém uma queda secreta por Charlie Brown e conversa muito ao telefone com ele chamando-o sempre de Minduim. Adora as brincadeiras de menino e odeia as regras dos adultos. Outros personagens, que foram sendo integrados à turma com o tempo, exemplificam bem alguns comportamentos que não se enquadram como típicos de crianças.
Voltando ao nosso personagem Charlie Brown, Eco afirma que é a extrema normalidade dele que é responsável por parte de suas neuroses, já que busca as soluções para as angústias que o afligem dentro dos moldes e fórmulas propostas pela sociedade contemporânea. Faço uma pausa aqui para indicação de um livro, A Corrosão do Caráter de Richard Sennett, editora Record.
Ficamos então pensando, o que é possível ser feito? Nossas crianças estão presas nesse mundo de preocupações assim como os pequenos apresentados por Charles M. Schulz?
É então que temos o cachorro Snnopy como solução desses problemas apresentados pelos personagens do Peanuts. À Snoopy é atribuído um traço de humanidade, alegria e otimismo que simbolizam a infância e a imaginação própria da criança, ausentes nas verdadeiras crianças da trama. Sua imaginação é alimentada pelo sonho de torna-se um grande herói.
Surge então junto com a interpretação do que representa o Snoopy o que podemos fazer por nossas crianças. Devemos “ajuda-las” a serem apenas crianças, com preocupações pertinentes a cada idade, sem antecipar os sofrimentos. Precisamos alimentar os sonhos. As experiências infantis relacionadas a brincadeiras e a fantasias são estruturantes e organizadoras da personalidade. Portanto, a criança que é privada dessas experiências pode apresentar algum problema psicológico no futuro.
Nesse ponto retomamos os posts anteriores nos quais foram enfatizados a importância da resiliência, da comunicação do afeto e das habilidades sociais. Por meio dessas nós poderemos ser um pouco o Snoopy e trazer de volta para nossas crianças o mundo infantil das brincadeiras, imaginação, sonhos, otimismo e humanidade.
Para finalizar deixo indicação de alguns livros.




domingo, 19 de junho de 2011

O Homem Que Amava Caixas

“Era uma vez um homem
O homem tinha um filho
O filho amava o homem
e o homem amava caixas.”

Uma pessoa pode comunicar o afeto de diversas formas: tácteis, verbais, faciais, gestuais, entre outras. No livro O Homem Que Amava Caixas de Stephen Michael King, Editora Brinque-Book  pode-se ver um exemplo de comunicação de afeto de forma diferente da esperada usualmente.
Este livro fala de maneira simples e bonita sobre o relacionamento entre pai e filho. Com ilustrações alegres e muita sensibilidade, O Homem que Amava Caixas conta a história de um homem que era apaixonado por caixas e por seu filho. O único problema é que, como muitos pais, ele não sabia como dizer ao filho que o amava. O livro fez tantos simpatizantes em todo o mundo que ganhou o prêmio Family Award for Children’s Books em 1996.
Segundo o autor Stephen Michael King “a história é sobre meu pai e eu, quando era adolescente e fiquei surdo. Eu tive vários problemas sociais, e minha relação com meu pai tinha acabado. Nossa comunicação era difícil em vários níveis. Naquele momento eu não percebi, só mais tarde, que ele estava se comunicando de outras maneiras, fazendo pequenas coisas para mim. Realmente, foi com trinta anos, olhando para trás, que eu percebi isso. Escrevi a história e fiz do pai um pai, e do menino uma jovem criança, mas também tem algumas considerações minhas sobre a paternidade em geral, apesar de ter sido escrito antes de eu ter meus filhos.”
Partindo do relato de Stephen Michael King podemos perceber que a forma de interação entre pais e filhos constitui fator relevante que interfere no repertório social dos filhos.
Podemos pensar então, que não comunicar de forma adequada o quanto se gosta de uma pessoa pode ser um problema, principalmente se pensando em uma criança. Quanto maior o repertório de habilidades sociais de ambos os pais, maior a frequência de comunicação e de participação nos cuidados e nas atividades escolares, culturais e de lazer dos filhos.
O conceito de habilidades sociais envolve mais o aspecto descritivo dos comportamentos verbais e não-verbais necessários à competência social. Esta envolve uma avaliação ou julgamento a respeito da adequação do comportamento de uma pessoa e do efeito que produz em uma determinada situação.
A importância da qualidade da relação pais e filhos sobre o desenvolvimento das crianças é amplamente conhecida, sendo que alguns estudos científicos correlacionam práticas educativas inadequadas a problemas no desenvolvimento cognitivo e social e no desempenho acadêmico dos filhos.
Pais socialmente habilidosos, que estabelecem um ambiente familiar acolhedor, organizam contextos favoráveis aos mecanismos de resiliência e de proteção diante de fatores ameaçadores a que usualmente as crianças estão expostas.
Para finalizar pode-se dizer que um repertório social elaborado de habilidades sociais são importantes como fator protetor do desenvolvimento sociomocional.

terça-feira, 7 de junho de 2011

Os patinhos feios: A RESILIÊNCIA


A ideia do tema de hoje surgiu ao participar de uma defesa de trabalho de conclusão de curso.
Primeiro quero parabenizar minha aluna Ana Paula Fest Müller pelo excelente trabalho (Um olhar horizontalizado acerca da tutoria de resiliência: um estudo de caso)!

Mesmo que estes livros sejam apropriados para os adultos a aplicação do tema é de fundamental importância para o desenvolvimento infantil. A resiliência permite ao sujeito se adaptar às situações que apresentem fatores de risco e assim, superar as adversidades.
Uma pausa para “explicar” esta palavrinha: resiliência
A palavra vem do latim “resilio”, que significa voltar ao estado natural. O conceito oriundo da Física que se refere à propriedade de que são dotados alguns materiais, de acumular energia quando exigidos ou submetidos a estresse sem ocorrer ruptura. É aplicado ao comportamento humano com o objetivo de permitir que sejam adotadas mudanças nas atitudes para proporcionar melhoria na qualidade de vida das pessoas mesmo em situações do dia-a-dia de cobranças, prazos, pressões, muita tensão e estresse.
E por que pensar na resiliência como importante para o desenvolvimento infantil?
Algumas crianças podem apresentar problemas em seu desenvolvimento relacionados ao comportamento e/ou à um desequilíbrio emocional, e esses problemas ocorrem por uma falta de habilidade para enfrentar eventos estressantes e de risco comuns no seu dia-a-dia.
Podemos considerar também, de acordo com Cyrulnik que é por meio das relações sociais que a criança pode estabelecer um processo de equilíbrio entre os fatores de risco e de proteção. É também pelos vínculos seguros que são basicamente construídos no período da infância, que a possibilidade de se ter uma rede de apoio é construída. Essas redes, por sua vez, fortalecem a criança ou o adulto e permitem que ele alcance o equilíbrio entre os fatores de risco e proteção.
Então, se nós adultos pudermos conduzir as situações de adversidade enfrentadas pelas crianças de forma realista, proporcionando apoio e fazendo com que elas percebam seus limites e potencialidades, estaremos capacitando-as para enfrentar e superar as adversidades e o mais importante, transformando positivamente essas situações.
Mas, é importante lembrar que trabalhar com a criança a positividade das situações adversas não significa transformar essa criança em invulnerável. Ao enfrentar uma situação de risco, todos, crianças ou adultos, saíram do enfrentamento com algum dano, porém com uma visão positiva de reconstrução.
Seguem os exemplos
Como exemplos de resiliência podemos pensar em Maria Callas, da forma como foi citado no livro de Cyrulnik. Nascida em Nova York, filha de imigrantes gregos que devido a dificuldades econômicas, teve que regressar à Grécia com sua mãe em 1937, foi uma menina consumida por carências afetivas morando em depósito de crianças imigradas.
Podemos pensar também em Steve Jobs que fundou a Apple aos 20 anos, empresa composta por duas pessoas e que funcionava na garagem da casa dos pais de Jobs e se transformou, em dez anos, numa empresa com 10.000 colaboradores. Jobs foi demitido da própria empresa aos 30 anos, mas, devido a seu espírito empreendedor, ou melhor da sua resiliência, fundou a NeXT e  também comprou de George Lucas a Pixar Animation Studios transformando no maior estúdio de animação do mundo. No seu discurso em 2005 para os formandos da Stanford University compartilha três ótimas histórias de vida, de sua adoção até o câncer que enfrentou.